A gente não é máquina: E essa cobrança por Produtividade?
O cansaço bateu aí? Dormir tem funcionado?
Pode ser que não. E talvez a raiz disso não esteja só no corpo, mas também em como a gente tem se colocado no mundo.
A rotina exaustiva, as cobranças constantes e a sensação de que nunca é o suficiente têm feito muita gente viver no limite. Às vezes, nos tratamos como máquinas: sempre disponíveis, produtivos, eficientes. Mas será que é isso mesmo que somos?
O descanso virou só mais uma função?
Hoje, até o descanso parece ter um propósito utilitário: descansar para voltar a produzir, cuidar do corpo para alcançar um ideal estético, se relacionar para fazer networking. Até os afetos entram na lógica da performance.
Dormir bem, comer direito, ter uma vida equilibrada — tudo isso passou a ser uma meta de excelência, não de bem-estar. E quando não conseguimos, vem a culpa. Não basta estar bem, é preciso estar perfeito. Mas que canseira.
A sociedade molda nossa forma de existir
Autoras e autores da filosofia como Foucault e Agamben falam de dispositivos sociais: estruturas como escolas, religiões, leis, economia e cultura que organizam a vida e moldam a forma como nos vemos. Esses dispositivos ensinam — muitas vezes sem que a gente perceba — o que é ter valor, ser normal, ser produtivo.
E isso não fica apenas “lá fora”. Atravessa nosso corpo, nosso desejo, nossas escolhas. A forma como trabalhamos, descansamos, nos relacionamos… tudo passa por esse filtro.
O sofrimento que parece individual, mas é coletivo
Como psicóloga, vejo como essa lógica impacta a saúde mental. Muitos dos adoecimentos emocionais que acompanhamos hoje são respostas ao modo como fomos ensinados a viver. Não são falhas individuais. São sinais de que algo está errado no jeito como estamos organizando nossas vidas.
Na tentativa de se ajustar, muita gente se deforma. Na tentativa de dar conta, se automedica. E, ainda assim, se sente sozinha — como se o problema estivesse apenas nela.
Precisamos reaprender a existir
É difícil sair dessa lógica, mas reconhecer que não somos máquinas já é um passo importante. A gente não precisa performar o tempo todo. Não precisa dar conta de tudo. E, principalmente, não precisa carregar essa culpa sozinha.
Respira. Olha pro que está te atravessando. E, se fizer sentido, busca ajuda. A psicoterapia pode ser esse espaço onde, aos poucos, a gente desmonta essas exigências e começa a construir uma nova forma de existir.
Este texto foi escrito com base em leituras de Michel Foucault e Giorgio Agamben, especialmente o ensaio “O que é um dispositivo?”, de Agamben, que amplia a noção foucaultiana de dispositivo e suas implicações na formação da subjetividade.
Tamara Levy
Psicóloga (CRP 01/20823) especializada em Psicanálise
Escuta sensível e atendimento psicanalítico presencial em Brasília e online para brasileiros no exterior
Autora deste espaço, onde escrevo sobre psicanálise, saúde mental e os afetos do nosso tempo. Saiba mais ou agende uma consulta